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As tempestades e a presença de Deus


As tempestades e a presença de Deus

Tribulações e angústias são algo inerente e inevitável na vida cristã. Se, porventura, você já ouviu alguma mensagem que diz o contrário, sinto dizer que lhe pregaram o evangelho errado. Como a variação de uma maré, com altos e baixos, assim é a vida cristã. 

As tribulações ocorrerão de modo cíclico e, dependendo do ponto de vista, constituirão o ponto alto ou baixo de sua maré espiritual. 

Todos que conhecem um pouco de Deus sabem que elas virão mais cedo ou mais tarde em nossa jornada terrestre. A Bíblia utiliza uma figura metafórica e se refere a elas como tempestade, tormenta ou mesmo dilúvio. Elas cumprem um propósito específico de Deus. 

“O Senhor tem o seu caminho na tormenta e na tempestade”. (Naum 1:3)

Que afirmação interessante, para não dizer assustadora! Deus não se encontra na calmaria ou na bonança, mas seu caminho está no meio da tempestade. Esta palavra específica só aparece duas vezes em toda a Bíblia hebraica, aqui no livro do profeta Naum e em Jó. 

“Porque me quebranta com uma tempestade”. (Jó 9:17)

Deus usa as tempestades para nos quebrantar e humilhar. Precisamos saber que as tempestades da vida — tribulações e aflições pelas quais atravessamos —, são enviadas por Deus para forjar nosso espírito e nos tornar mais humildes como Ele. 

Parece estranho e até aterrador saber que, ao buscarmos nos encontrar com Ele, estamos indo de encontro à tempestade, mas é o que diz a Palavra, sem eufemismos ou atenuantes.

Dilúvio e colheita

Deus não somente faz seu caminho na tempestade, mas se assenta sobre o dilúvio, de acordo com o Salmo 29:10. A palavra para dilúvio, mabul, também é de pequena ocorrência na Bíblia hebraica. Só aparece treze vezes. Além desse salmo, todas as demais ocorrências estão no livro de Gênesis e se referem ao dilúvio que destruiu a Terra nos dias de Noé. Portanto, a referência é ao mesmo evento. 

O grande dilúvio representou a maior tragédia de toda a humanidade desde a Criação. Enquanto a fúria avassaladora das águas encobria o planeta, eliminando tudo o que tivesse fôlego, Deus permaneceu inalterado, assentado majestosamente sobre o cataclisma. Deus continua sendo Deus em meio ao caos.

A palavra para colheita é yevul e possui a mesma raiz de mabul. Uma das formas rabínicas de interpretação das Escrituras em hebraico é analisar palavras de mesma raiz. Acredita-se que elas estejam interligadas de algum modo e podemos extrair ensinamentos espirituais disso, ainda que aparentemente seus significados sejam divergentes. 

Analisando yevul e mabul, surge-nos uma conexão interessante do ponto de vista evangelístico, uma vez que períodos de grandes tragédias, onde quer que ocorram geograficamente, são também períodos de grande colheita de almas para o Reino de Deus. Pessoas quebrantadas e que experimentam maior sofrimento tendem a ser mais receptivas à mensagem do Evangelho.  

Encontrando o Senhor na tormenta

Como todas as profecias messiânicas do Velho Testamento, elas se cumprem literalmente na vida de Jesus nos Evangelhos (ou ainda se cumprirão em sua segunda vinda). O relato de Mateus 14:22-33 é um exemplo. 

Após enfrentar durante horas o vento forte e as ondas altas, os discípulos estavam exaustos e fatigados de lutar contra a tormenta. Como Jesus os enviara adiante e ficara em terra, é possível que tenham se sentido abandonados em um momento tão difícil. Contudo, é nesse cenário de desespero que o Senhor surge imponente, caminhando sobre o mar violento.

Era preciso que Yeshua andasse sobre as águas para mostrar aos discípulos que Ele é maior que as dificuldades que possam nos sobrevir. E é muito relevante o fato dele surgir justamente na hora mais difícil, quando o vento estava implacável e aqueles homens estavam cansados de lutar, tentando manter o barco a salvo de um possível naufrágio. 

Mas foi no caminho da tempestade que eles encontraram o Senhor. Assim se dá com todos nós. Muitas vezes, Ele permite que atravessemos dificuldades enormes, ondas gigantes para, no momento em que mais nos sentimos abandonados e sem forças, encontrá-lo em nosso percurso, imponente sobre as águas das tribulações. 

Ao entrar no barco, a tormenta cessa imediatamente e os discípulos o adoram. Ele não somente anda no caminho da tempestade, mas traz paz ao entrar em nosso barco, aquietando o vento que agita nosso interior e as águas tempestuosas de nosso coração.

Ao realizar esse milagre, Yeshua estava comprovando as palavras de Naum, que o Senhor tem seu caminho na tempestade e se revela a nós no meio da tormenta. Ele estava também cumprindo literalmente as palavras de Jó 9:8: “Só Ele anda sobre as ondas do mar”. 

Talvez os discípulos, que conheciam as Escrituras, não tenham pensado nesses versos quando se assustaram vendo-o surgir sobre as águas. Mas possivelmente se lembraram dessas passagens após sua entrada no barco, quando exclamaram em adoração: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus” (v.33). 

Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.  

* O conteúdo do texto acima é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: O guarda do meu irmão

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