Câmara e Senado têm ao menos 19 projetos para restringir ou dificultar acesso ao aborto
Há um ano, o aborto estava na pauta do dia do Supremo Tribunal Federal (STF), que promoveu uma audiência para discutir a descriminalização do procedimento até a 12ª semana.
Nos dias 3 e 6 de agosto de 2018, representantes de entidades, inclusive religiosas, ativistas e especialistas de diversas áreas participaram com argumentos contra e a favor.
A partir de então, ao menos 19 projetos de lei foram protocolados na Câmara e no Senado com o objetivo de restringir mais ou dificultar o acesso ao aborto, mesmo quando ele já é previsto em lei — em caso de estupro, feto anencéfalo e risco de vida para a mulher. Além disso, 365 dias depois da segunda parte da audiência, ainda não há data para que o assunto volte à Corte.
Desses 19 PLs, 16 foram apresentados em 2019 e dois arquivados. Além dos novos, há outros 28, incluindo a PEC 29, conhecida como “PEC da Vida”, que foram desarquivados no início do ano.
Ao todo, são ao menos 45 projetos no Congresso que buscam restringir direta ou indiretamente o aborto. O levantamento é da campanha “Nem presa nem morta”, formada por grupos, organizações e ativistas pelos direitos das mulheres.
A audiência pública de 2018 foi convocada pela ministra Rosa Weber para discutir a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442 (ADPF), da qual ela é relatora, protocolada pelo PSOL e pela Anis — Instituto de Bioética em março de 2017.
Na ação, que pede a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação, argumentam que os artigos 124 e 126 do Código Penal — que instituem a criminalização da interrupção voluntária da gestação — não estão de acordo com as garantias individuais previstas na Constituição.
Os autores da ação alegam também que certos direitos das mulheres previstos em lei são, hoje, violados diretamente pelo Código Penal, como direito à cidadania, à dignidade, à vida, à igualdade, à liberdade, à saúde e ao planejamento familiar.
Não há perspectiva de o STF julgar ainda este ano a ação. A ministra Rosa Weber sequer liberou o caso para análise do plenário. E, quando fizer isso, será necessário ainda que o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, marque uma data de julgamento. Ele já definiu a pauta da maioria das sessões do segundo semestre e a tendência é que não venha a incluir a questão do aborto.
Papel do STF é questionado
O deputado Capitão Augusto é autor de quatro dos novos projetos de lei sobre o tema. Com eles, pede um endurecimento do Código Penal para quem faz o procedimento — caso seja sem o consentimento da gestante, por exemplo, ele propõe de dez a 20 anos de reclusão.
“(Atualmente são) Penas muito brandas, no nosso entendimento, para quem comete ou induz o aborto. A ideia é justamente inibir a quantidade (de abortos) que é feita no Brasil”, explica o parlamentar, que considera uma “aberração por parte do STF legislar em cima de um tema de uma área que não é deles”.
Vice-presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo, que participou da audiência pública do ano passado, Paulo Henrique Cremonezi também questiona o protagonismo do Supremo na discussão.
“Só quem pode decidir é o Poder Legislativo. Já houve uma decisão recente (a criminalização da homofobia) equivocada. Mesmo se fosse sobre um interesse meu, por exemplo uma situação de ‘cristofobia’ (ataques a cristãos), eu contestaria”, disse.
“Do jeito que se deu, não há harmonia entre os três poderes. Por mais qualificados que sejam, 11 ministros não podem fazer o papel de 500 deputados nem de 180 milhões de brasileiros”, afirma ele, que se situa contra a descriminalização do aborto (“como cristão, seria esquizofrênico defender a interrupção da vida”).